segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Quem chama a roda de carimbó?- A história do Fest-Rimbó

Mestre Bento guarda os nomes dos personagens mais antigos do carimbó de Santarém Novo

Santarém Novo, fim dos anos 1990. Associações de moradores, sindicatos, centros comunitários e quantas mais organizações da cidade se reuniram em um fórum. A pauta: fazer um grande evento para promover a cultura local. E o que mais representativo do que o carimbó? Quem não é de lá pode não saber, mas o batuque corre na veia dos nativos. Consenso geral, dali saiu a faísca que gerou o “Festival de Carimbó de Santarém Novo”, também conhecido como Fest Rimbó, um dos principais encontros de carimbó do país.

 A ideia original era usar o fervor do carimbó para aquecer a economia do município, atrair turistas e vender bem durante os dias de festa, mas o Fest Rimbó foi muito além.  Virou ponto de encontro e reconhecimento entre mestres de todo o Pará e afora. Uma referência para praticantes e fãs dessa cultura centenária. Todo esse potencial podia se sentir já na primeira edição do evento em 2002.

2002: o início de tudo

“Era uma estrutura bem precária, um palco no meio da rua que parecia um palanque, mas o pessoal parou pra ver”, lembra Isaac Loureiro, um dos organizadores do festival. “Apesar de ter algumas pessoas da Prefeitura no fórum, não tivemos apoio do poder público. A gente fez assim mesmo, na marra”. A estreia do Fest Rimbó não teve ares de mega espetáculo, mas foi um sucesso de público.
Na base do “boca-a-boca”, grupos e artistas de carimbó de todo o Estado aportaram a Santarém Novo. O município está ali no coração, bem na fronteira entre o Salgado e a Região Bragantina. Não à toa foi sede de uma Intendência no século XIX porque ele é um polo de comunicação com toda a Região Nordeste do Pará. As mesmas qualidades que favoreceram a afluência de tantas pessoas do universo do carimbó. “Veio gente de longe, de Marapanim, Salinas, Maracanã e até músicos de Muaná, no Marajó”.  

Concurso de composições: o carimbo vive
Quatro palavras explicam tamanha procura: um concurso de composições. “A ideia de fazer o concurso veio da preocupação em valorizar o carimbó como uma cultura atual, viva em contraponto à visão que o carimbó é uma coisa do passado” conta Isaac. Na época, as rádios AM e FM, só tocavam esse tipo de música na programação da madrugada.  As bandas de baile guardavam os carimbós para o fim do repertório, focando sempre na trinca de “Verequete, Pinduca e Lucindo” e olhe lá.

“Mas será que não tem música nova? Carimbó sendo feito agora?”, era a pergunta que se faziam os organizadores do festival. A resposta eles já sabiam, novos grupos e compositores sempre existiram. O concurso serviu para espalhar a notícia.

Havia uma regra básica: para participar tem que ter música inédita e original. “Isso deu visibilidade para uma geração inteira de compositores que estavam ali invisíveis”, afirma Isaac Loureiro. “Compositores maravilhosos, alguns bem idosos já, que tivemos a honra de ter no palco, e alguns compositores novos, muito bons, que estavam surgindo. Isso foi um diferencial muito importante”.

Nessa primeira fase, o regulamento não fazia divisão entre carimbó tradicional, o “raiz’”, e aquele tocado com instrumentos modernos e elétricos, conhecido como “estilizado”, nem julgava temática. As próximas edições incorporariam esses critérios. O que importava (e ainda importa) era o ineditismo e a qualidade do som.

2003

Sucesso comprovado, o Fest Rimbó foi apoiado pela Prefeitura de Santarém Novo e Governo do Estado, em sua segunda edição. A festa saiu da rua e foi para um ginásio da cidade. Fechando a programação, por meio da Fundação Cultural do Estado, o maior popstar do carimbó: Pinduca. “De um ano pro outro já virou um evento do porte um pouco maior e as pessoas viam que movimentava bem, não só a população da cidade, mas dos municípios vizinhos que vinham e daí ele só foi evoluindo”, diz Isaac.

2004 : Quando o palco não é o bastante

Dois anos depois de surgir o Fest Rimbó, foi criado o Festival de Marapanim, município da Região do Salgado também com uma longa tradição no carimbó. Em Santarém Novo, começava uma reflexão. Muitos grupos foram criados em Santarém Novo e em outros lugares a partir do festival. O problema era que eles só se articulavam para participar do festival, o resto do ano era de inatividade. “O festival se tornou um ponto de agregação e aí nós vimos que o palco não resolvia, porque a gente via que fora do palco, junto com as brincadeiras e a alegria de estar junto, vinham os relatos das dificuldades dos problemas”, relata Isaac.  Era ali, nos bastidores, e não no palco que os mestres abriam como eles estavam se mantendo, como é que o grupo estava se mantendo. A partir do próximo ano, essa dinâmica começaria a mudar.

2005: Nasce a campanha “Carimbó Patrimônio Brasileiro”

“Tem uma parte do público que só quer saber do show, do que tem no palco. Pra nós não é só o palco, tem as rodas de conversa, debates, a interação entre os artistas de carimbó. O palco é só uma parte da história, do que rola. E foi essa a mudança fundamental na história do festival”, considera Isaac. Tudo que ficava no segundo plano foi trazido para frente para fazer parte da programação do evento. Além de ser uma vitrine, o Festival se consolidou como um espaço de formação, encontros e troca de experiências entre os participantes.

No mesmo ano, os mestres, grupos e comunidades de carimbo do Pará presentes no Festival lançaram a campanha “Carimbó Patrimônio Brasileiro” ou apenas “Campanha do Carimbó”, um movimento que reivindica o reconhecimento do carimbó como um patrimônio da cultura nacional e as condições para que seus guardiões perpetuem a essa tradição. Em dez anos, a campanha conseguiria a tão sonhada titulação, que abre a possibilidade de uma série de fomentos para o carimbó.

2015: o evento-movimento


Antes com caráter bem regional, o Festival de Carimbó de Santarém Novo está ganhando uma dimensão mais ampla. Não só o evento, mas o processo todo de articulação do carimbó, porque as pessoas vêm pra dialogar com o carimbó, não só para assistir, dançar, cantar ou tocar. “Não é essa relação, não é um festival nessa linha da produção tradicional formal, é um festival encontro, é um festival movimento, é um evento-movimento. É um evento que promove um movimento cultural de discussão, reflexão, articulação, trocas, gera alianças e consolida parcerias”, afirma Isaac Loureiro.

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